2 de set. de 2010

Escamando

A morte é o tema que inspira a criação do espetáculo intitulado “Escamando”. O título deste trabalho faz referência a uma das lendas que compõem o imaginário popular: às vezes, acontece de surgir no céu uma estranha e entrecortada formação de núvens ralas. Em dias assim, os antigos costumam dizer que o céu ‘escama’ – é sinal de que alguém vai morrer. Também é o próprio processo da pele que escama para dar lugar às novas peles.

O espetáculo une processos autobiográficos com a liturgia presente no Bumba Meu Boi, no qual a morte simbólica do boi é entendida como principio de continuação da vida. A pesquisa parte da inter-relação desses dois universos, e é abastecida com estudo de autores da filosofia como Cioran Emil e pesquisa antropológica em diversas culturas que ajudam a contrapor e abrir o leque de significados acerca do tema. Portanto, essa morte é entendida de várias maneiras, como memórias do passado inscritas numa parede desbotada, que um dia foi de cores vivas. Tudo escama, a pele, a parede, a memória... só restando uma imagem quase apagada de lembrança, mas que detém uma ambivalente vivacidade. O espaço e o tempo se confundem nessa lembrança.

A composição possui 8 núcleos centrais tendo como fio condutor a mudança de estados corporais de um para outro. O tema morte está metaforizado no limite dos “entre” núcleos. A partir deles será realizado o direcionamento temático dos interpretes criadores.

A dramaturgia e o roteiro, portanto, estão baseados na transformação do ESTADO CENICO.

A voz é uma das pilastras desse trabalho e inspira-se nos ‘aboios’ –(cantos dos vaqueiros no transporte da boiada de uma região para outra). Esta construção não se dá através da colagem de repertório, mas sim da releitura e re-significação destes conteúdos sonoros. Também se estende à integração entre o movimento dançado e a sonoridade, um alicerçando e suscitando o outro. Da interação entre estas duas dimensões expressivas vai se construindo um espaço onde os limites do corpo e do som se diluem e o que se tem é, simplesmente, a atmosfera (Estado cênico). São esses amálgamas entre o corpo sonoro e o corpo motor – que geram as oposições e tensões motivadoras das mudanças de estado cênico. Portanto, o enredo de estados corporais, suas transformações durante a ação cênica, metaforizam as pequenas mortes e o que surge são novas configurações de cena.

Toda a configuração do espetáculo se dá no corpo e na voz, o cenário é composto basicamente da exploração da luz e da sombra e o figurino explora o corpo e suas formas, ora tendo transparências, ora rasgos que expõe algumas partes que são exploradas nas coreografias, como costelas e escápulas.


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