3 de set. de 2010

Quanta



"Quanta: o jogo-instalação, a experiência estética e a maneira de ser e estar no mundo das crianças pequenas"


O Núcleo Quanta propôs uma pesquisa artístico-pedagógica com o foco na construção e intervenção no espaço e sua exploração por crianças na faixa etária dos zero aos quatro anos, investigando o conceito de "jogo-instalação". Ao aproximar o movimento da própria criança pequena ao interagir esteticamente com os elementos da cena (espaço, luminosidade, som e intérpretes), buscou a construção de um espetáculo vivo, invisível, que se criava e recriava constantemente. A cada processo de interferência e destruição a cada visita, o sentido encontrado para a utilização dos materiais em cena se renovava. E a cada surpresa encontrada nas relações entre crianças e dançarinos, o sentido da atuação também se renovava. Cada visita era radicalmente diferente da outra e repleta de possibilidades cênicas, lúdicas e vivenciais. Em um espetáculo compreendido como "Jam session", a criança era, ao mesmo tempo, espectadora e jogadora, ampliando a vivência da instalação e desafiando a uma nova compreensão lúdica da dança e do espaço.


Propusemos, nesta experiência, ampliar os campos de pesquisa, o pensamento e a práticas das artes cênicas com crianças pequenas. Trazemos como foco de debates, por um lado, a própria concepção cênica: o jogo-instalação, o espetáculo como Jam session, o espaço relacional e os ecossistemas cênicos. Por outro, a experiência do intérprete em cena com as crianças: a construção do jogo, o estar em um espaço cênico que se reconfigurava a todo momento, o corpo e o movimento do intérprete em relação a esse devir criança.


Aliado a isso, tínhamos o desejo de descentralizar a produção cultural da cidade de São Paulo, abrindo a possibilidade de novos diálogos e novos olhares sobre a construção e a vivência da obra artística. Em parceria com a coordenação de cultura do CEU Perus e com a CEI CEU Perus, realizamos, além de um workshop preparatório para os professores, uma temporada de três semanas em novembro de 2010, com 21 apresentações para cerca de 250 alunos e 50 professores da CEI-CEU Perus (periferia oeste de São Paulo). Trabalhar artisticamente na periferia significa abrir pontes e conexões entre universos estruturais, simbólicos e vivenciais, significa ampliar os sentidos que se dá à produção artística dominante, deslocar-se do centro detentor dos modos de produção e silenciosamente avançar na abertura de diálogos entre saberes artísticos e pedagógicos em regiões onde as restrições estruturais são muito maiores e a representatividade de suas experiências na sociedade é muito menor.


Espetáculos-visitações no CEU Perus, no foyer do teatro,

de 04 a 17 de novembro de 2010.




















Ficha Técnica:


Concepção e Direção: Suzana Schmidt

Assistente de Direção e Produção: Lígia Marina

Dançarinos: Lígia Marina e Paulo Petrella

Preparação corporal: Ana Thomaz

Cenografia: Fábio Markoff

Direção musical, composição e arranjos: Guilherme Furtado

Video-cenografia: Marcio Marques e VJ Ninguém

Intervenção de Luz: Décio Filho

Figurinos: Lucas Oliveira

Fotos: Lucas Oliveira

2 de set. de 2010

Escamando

A morte é o tema que inspira a criação do espetáculo intitulado “Escamando”. O título deste trabalho faz referência a uma das lendas que compõem o imaginário popular: às vezes, acontece de surgir no céu uma estranha e entrecortada formação de núvens ralas. Em dias assim, os antigos costumam dizer que o céu ‘escama’ – é sinal de que alguém vai morrer. Também é o próprio processo da pele que escama para dar lugar às novas peles.

O espetáculo une processos autobiográficos com a liturgia presente no Bumba Meu Boi, no qual a morte simbólica do boi é entendida como principio de continuação da vida. A pesquisa parte da inter-relação desses dois universos, e é abastecida com estudo de autores da filosofia como Cioran Emil e pesquisa antropológica em diversas culturas que ajudam a contrapor e abrir o leque de significados acerca do tema. Portanto, essa morte é entendida de várias maneiras, como memórias do passado inscritas numa parede desbotada, que um dia foi de cores vivas. Tudo escama, a pele, a parede, a memória... só restando uma imagem quase apagada de lembrança, mas que detém uma ambivalente vivacidade. O espaço e o tempo se confundem nessa lembrança.

A composição possui 8 núcleos centrais tendo como fio condutor a mudança de estados corporais de um para outro. O tema morte está metaforizado no limite dos “entre” núcleos. A partir deles será realizado o direcionamento temático dos interpretes criadores.

A dramaturgia e o roteiro, portanto, estão baseados na transformação do ESTADO CENICO.

A voz é uma das pilastras desse trabalho e inspira-se nos ‘aboios’ –(cantos dos vaqueiros no transporte da boiada de uma região para outra). Esta construção não se dá através da colagem de repertório, mas sim da releitura e re-significação destes conteúdos sonoros. Também se estende à integração entre o movimento dançado e a sonoridade, um alicerçando e suscitando o outro. Da interação entre estas duas dimensões expressivas vai se construindo um espaço onde os limites do corpo e do som se diluem e o que se tem é, simplesmente, a atmosfera (Estado cênico). São esses amálgamas entre o corpo sonoro e o corpo motor – que geram as oposições e tensões motivadoras das mudanças de estado cênico. Portanto, o enredo de estados corporais, suas transformações durante a ação cênica, metaforizam as pequenas mortes e o que surge são novas configurações de cena.

Toda a configuração do espetáculo se dá no corpo e na voz, o cenário é composto basicamente da exploração da luz e da sombra e o figurino explora o corpo e suas formas, ora tendo transparências, ora rasgos que expõe algumas partes que são exploradas nas coreografias, como costelas e escápulas.